Esse é um texto que minha mãe achou no meio da bagunça da mudança. Acredito que ele foi escrito por volta de 2007, infelizmente não tenho o hábito de datar as coisas que eu escrevo.
Achei ele bem autêntico do que eu sentia na época... enfim, sem mais delongas...
...
Crônica, resumo de impressões do Japão.
Quando entrei no avião, saberia o destino, mas não o rumo que tomaria a minha vida. Inocente, meus olhos tentavam abafar o medo que havia em meu coração. Mas se havia o medo, eu sabia que uma coisa chamada esperança brotava dentro de mim, como uma semente que ainda espera o seu momento de despertar. E esperava que ela abrisse uma flor chamada dignidade, algo que ainda tenho que fazer abrir, pois sinto que suas pétalas estão sem cor e sem perfume.
Era noite e São Paulo ficou pequeno, as pessoas ficaram pequenas; minha alma se engrandeceu. Da janela do avião, as luzes dos carros iam se misturando com as das casas, que se misturavam com as dos prédios, que se misturavam com as das ruas e aquele meu país que eu deixava parecia uma constelação que foi ficando inócua, sumindo dos meus olhos.
Vinte quatro horas de voo esgota qualquer um. No pouso, Japão se mostrava como era realmente. Sombrio.
Então, após pegar um trem bala e um trem que atravessava o mar, para a ilha de Shikoku, chegamos em que seria nosso provisório lar.
Um lugar pequeno, minúsculo, ainda com o privilégio de ter duas camas adaptadas para brasileiros. Foi numa delas que pude cair na realidade e deixar meus prantos descerem: Que é que eu estou fazendo aqui?
A insegurança de não falar a língua, de não saber se comportar numa loja, não conhecer nada e ninguém, são certamente as coisas que mais apertam no coração de um recém estrangeiro.
Sei que nos primeiros dias de trabalho as horas não passam e as pernas doem. É preciso se adaptar.
Quanto as dificuldades, você se acostuma e aprende a lidar. E quando menos percebi, estava em outro emprego.
Iria atravessar aquela ponte de novo e pude conhecer ume província onde há a maior concentração de imigrantes brasileiros. Toyohashi.
Que foi uma espécie de alento, pois em parte aquele lugar tinha ares de Brasil, produtos, lojas especializadas e pessoas falando em português nas ruas. Porém foi só uma passagem, porque na verdade eu ia me estabelecer em Saitama.
Inverno rigoroso dói. Carregar o peso do serviço e aspirar o pó do galpão. As dores do corpo se atenuaram quando o inverno terminou. Quatro meses demoraram para meu corpo se acostumar, o serviço era pesado e os meus músculos se enrijeceram.
Senti-me fortalecido não só no corpo, também na fé. Alguns livros que mudariam minha vida, conheci nessa estadia. Todas as noites, mesmo cansado, era eles que eu buscava, sentido, força e conforto.
Saber que algumas pessoas estão longe, que as cartas demoram a chegar, porque o Brasil está longe. Então você percebe que seu país é que é o seu lar e se arrepende de tudo o que vc falou mal dele. Apesar dos problemas, eles são encaráveis e estar nos seu país natal é incomparável. E voltar pra ele parece um sonho.
Foi assim que pude sorver e entender cada verso da "Canção do Exílio"... "Não permita Deus que eu morra sem que volte para lá, minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá".
E por fim, quando as lágrimas correm, você não as controla. Os soluços te sufocam por algum tempo, mas depois a alma fica mais leve.
Tanto trabalho e pouco passeio. Mas o pouco vale muito e parece ter mais importância que o dinheiro. Ver o sol nascer no topo do famoso Monte Fuji. Esse é o mecanismo da vida. A cosquista é árdua, a subida é longa e a recompensa é curta.
Nas quinta-feiras eu ia fazer aula de violão clássico com um professor japonês. Era tudo o que eu queria e apareceu essa oportunidade.
Dentro do possível eu tentava ser um bom aluno, mas sem sucesso. Esse laço durou pouco. Duraram pouco também as notas que eu tocava com toda a minha falsa esperança e sonho.
Na despedida ele falou para eu seguir em frente. Torceria por mim.
Ouvi isso tbém de uma das mulheres da firma onde eu trabalhava, amigas da minha mãe. (trabalhávamos no mesmo lugar). Sim, aprendi que os japoneses tbém são afetuosos, mas é do jeito deles, discretos.
Nas últimas semanas nos levaram pra passear, fizeram essa questão. Tenho a impressão que conquistamos o coração delas. Mesmo sem falar japonês ... no cotidiano, nos comunicamos com nossas atitudes.
Elas me diziam que eu já tinha passado pela prova de fogo. Já que tinha enfretado tal serviço, conseguiria enfrentar qualquer coisa. Estariam torcendo por mim, algumas até me compraram presentes. Mas eu sabia que eu tinha de enfrentar na volta, a minha alma, a minha perdida vida...
Você pode cruzar o mundo, mas carrega o peso de suas memórias aonde quer que vá.
Nem acreditei quando eu entrei no avião de volta. Duas pessoas nos acompanharam até o aeroporto. Meu primo e um colega. Ressalto que também nos ajudaram muito. É fácil pra quem vai e difícil pra quem fica. Lembro quando via alguns brasileiros se preparando para voltar para o Brasil e eu sentia que a minha hora de partir jamais chegaria. Na verdade estávamos retornando dois anos antes do previsto.
Japão também virou luzes. Ficou pequeno também. Ali deixei pedaços de minha angústia. E descobri que não era o mesmo.
Vinte e quatro horas de voo, com a diferença de ser menos penoso.
- Em quinze minutos estaremos pousando. Vinte e cinco graus em Guarulhos, o tempo está nublado.
Soltei um riso suave. Tem de ser suave, senão o coração dói. O avião pousou e era o meu país. Meu olhar brilhou como nunca. Enfim cheguei depois de um ano e cinco meses que pareceram uma vida inteira. Meu povo, minha terra!
Na saída, um grupo de comissárias de bordo que se preparavam para a outra viajem sorriam e diziam o bom dia cotidiano. Primeira palavra que ouvi ao retornar ao meu país. Quebrei meu bloqueio e timidez e de coração respondi: Bom dia!
(é um novo dia! é uma nova vida!)
terça-feira, 15 de agosto de 2017
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